quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

30/01/2011 – 4º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A (IV Semana do Saltério)


1ª Leitura: Sofonias 2,3;3,12-13
Leitura da Profecia de Sofonias3Buscai o Senhor, humildes da terra, que pondes em prática seus preceitos; praticai a justiça, procurai a humildade; achareis talvez um refúgio no dia da cólera do Senhor. 3,12E deixarei entre vós um punhado de homens humildes e pobres. E no nome do Senhor porá sua esperança o resto de Israel. 13Eles não cometerão iniquidades nem falarão mentiras; não se encontrará em sua boca uma língua enganadora; serão apascentados e repousarão, e ninguém os molestará. – Palavra do Senhor.
Salmo Responsorial: 145(146)
Felizes os pobres em espírito,/ porque deles é o Reino dos Céus.
1.O Senhor é fiel para sempre,/ faz justiça aos que são oprimidos;/ ele dá alimento aos famintos,/ é o Senhor quem liberta os cativos.
2.O Senhor abre os olhos aos cegos,/ o Senhor faz erguer-se o caído;/ o Senhor ama aquele que é justo./ É o Senhor quem protege o estrangeiro.
3.Ele ampara a viúva e o órfão,/ mas confunde os caminhos dos maus./ O Senhor reinará para sempre!/ Ó Sião, o teu Deus reinará/ para sempre e por todos os séculos!
2ª Leitura: 1Coríntios 1,26-31
Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios26Considerai vós mesmos, irmãos, como fostes chamados por Deus. Pois entre vós não há muitos sábios de sabedoria humana nem muitos poderosos nem muitos nobres. 27Na verdade, Deus escolheu o que o mundo considera como estúpido, para assim confundir os sábios; Deus escolheu o que o mundo considera como fraco, para assim confundir o que é forte; 28Deus escolheu o que para o mundo é sem importância e desprezado, o que não tem nenhuma serventia, para assim mostrar a inutilidade do que é considerado importante, 29para que ninguém possa gloriar-se diante dele. 30É graças a ele que vós estais em Cristo Jesus, o qual se tornou para nós, da parte de Deus: sabedoria, justiça, santificação e libertação, 31para que, como está escrito, “quem se gloria, glorie-se no Senhor”. – Palavra do Senhor.
Evangelho: Mateus 5,1-12
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo MateusNaquele tempo, 1Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, 2e Jesus começou a ensiná-los: 3”Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 4Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. 5Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. 6Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. 11Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. 12aAlegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus. Palavra da Salvação.
REFLEXÃO DA PALAVRA:
A INUTILIDADE DO QUE É CONSIDERADO IMPORTANTE PARA O MUNDO TERRENO.
Para a Comunidade de Mateus, o Sermão da Montanha representa o cerne da ideologia de Cristo, ou seja, a essência de todo o seu ensinamento e que, a partir do Evangelho se torna base da doutrina cristã, não só para esta comunidade nascente, mas também para os cristãos de todos os tempos. O Sermão da Montanha é a mais bela das narrativas bíblicas e traz no seu conjunto literário, muito mais do que um poema, dentro do Evangelho, uma série de exortações dirigidas precisamente aos que são chamados a conduzir a Igreja; não somente os pastores, mas também os leigos que se dispõe a ministrar a Palavra e o testemunho.
Vale lembrar que “Jesus viu as multidões” (Mt 5,1) e, muito provavelmente sentindo compaixão, como lhe era próprio, por vê-los carente de uma liderança, subindo no alto do monte, ou seja, colocando-se mais próximo do Altíssimo, e na condição de rei, sentado, reuni à sua volta seus discípulos e lhes dá uma autêntica formação: “Jesus começou a ensiná-los” (Mt 5,2), dirigindo-lhes uma série de bem-aventuranças, ou seja, condições de vida que vividas em plenitude estarão diretamente associadas à promessas de uma vida mais feliz e completa de forma escatológica, ou seja, na eternidade. Jesus inicia seu discurso na terceira pessoa, referindo-se a pessoas que não estão próximos ao grupo ali formado, como que chamando a atenção dos discípulos para aqueles que são objetos de sua preocupação: os pobres em espírito, os aflitos, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os que promovem a paz, os que são perseguidos e finalmente os próprios discípulos “vós”, quando estes forem injuriados e perseguidos por causa do Cristo (cf. Mt 5,11).
Nota-se então que, a primeira referência de bem-aventurança, e não menos importante do que as demais, são os pobres, evidentemente, não qualquer pobre, antes, Jesus enfatiza os “pobres em espírito” (Mt 5,3), frase que a Liturgia da Igreja irá reforçar no refrão do Salmo Responsorial: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é reino dos céus”. Percebe-se que em todas as bem-aventuranças, segue uma promessa divina; aos pobres em espírito está reservado o Reino de Deus. E a esta condição de vida que iremos centrar nossa reflexão.

De fato, sem contextualizar a realidade humana, não há como compreender a manifestação de Deus e Sua vontade para conosco mesmo. Nossas fraquezas fazem parte de nossa vida e assumi-las tal como são, para Deus é sinônimo de fortaleza, e para nós, garantia da realização de suas promessas.
Na primeira leitura, o profeta Sofonias exorta os humildes a buscarem a Deus, praticar a justiça e procurar a humildade (cf. Sf 2,3), parece uma redundância que os humildes devam procurar a humildade, mas aqui já se tenta demonstrar que há verdadeiros e falsos humildes; os primeiros “não cometerão iniquidades nem falarão mentiras; não se encontrará em sua boca uma língua enganadora” (Sf 3,13); serão estes os pobres em espíritos referido no Evangelho, assim como na Primeira Carta de Paulo aos Coríntios, são estes, escolhidos por Deus, os que “... o mundo considera como estúpido [...] sem importância e desprezado [...] os que não têm nenhuma serventia” e para que? “Para assim, confundir os sábios [...] mostrar a inutilidade do que é considerado importante” (1 Cor 1,27.28). Toda a inteligência humana, colocada ante a sabedoria divina é inutilizada; esta só serve para a vida terrena; a lógica do reino é outra. Nesta lógica do Reino, incompreensível à inteligência humana, o pobre em espírito não é o desprovido de recursos materiais e de intelectualidade apenas, é antes de tudo, uma pessoa que assumindo a sua condição de pobre, não reivindica para si qualquer justiça que não seja a do próprio Deus, pois a justiça humana é insuficiente na superação de sua condição de pobreza, uma vez que os sistemas econômicos adotados pela humanidade estão fundados com o fim de perpetuar a lacuna existencial entre ricos e pobres; diminuir este hiato iria requerer uma luta de tal violência, ao mesmo tempo em que atenderia somente a um princípio imediatista e individual da justiça de concepção humana, o que não corresponderia com o projeto de salvação e felicidade plena apresentado por Jesus. Gorringe (1997)[1], escrevendo sobre a ética teológica e a ordem econômica, relata que “as causas da pobreza são as diferenças culturais, fatores políticos, como a corrupção e a incompetência dos governos”, além de uma “obsessão de colocar o crescimento e o lucro (que envolve o estilo de vida) acima de qualquer coisa”, em suma, é a maximização do lucro incutido nas políticas econômicas que sistematicamente vem contribuindo para o sacrifício de milhões de pobres.
Pobre em espírito é, portanto, aquele que se refugia no Senhor; espera no Senhor, pois segundo o salmista: “O Senhor faz erguer-se o caído”; tomando outra versão da Sagrada Escritura, encontraremos para este mesmo versículo do Salmo: “... o Senhor endireita os que se curvam” (Sl 146-145)[2], esta frase nos faz lembrar de que uma árvore forte e rígida é muito mais frágil, se colocada sob a ação de uma ventania, do que o bambu que é totalmente flexível, este último dobra conforme a força do vento, quando este cessa, o bambu retoma a sua posição original sem qualquer dano, enquanto a árvore é possível que seja arrancada do solo, ainda que suas raízes sejam profundas. Não há nada pior e desastroso à sociedade do que um pobre orgulhoso e revoltado, revestido de falsa humildade, capaz de mentir e enganar os outros, de violar a ética, ainda que nas pequenas atitudes, para justificar sua condição de pobre e assim conseguir privilégios; não há diferença entre a corrupção exercida por um pobre e por um rico, as duas formas de corrupção degradam a dignidade humana; ao contrário dos pobres em espírito, estes nunca serão plenamente realizados e felizes, e quem não é realizado e feliz, não é capaz de promover o outro e torná-lo feliz, ao contrário, faz o outro sofrer, por que o que importa mesmo é seu próprio eu; e isto, não é característica do Reino.
Diácono José Antônio Jorge (1999)[3], da Arquidiocese de Campinas (SP), define o termo “pobre” (Gr. Φτωχός = ftochós), como aquele que pela condição de pobreza a que está submetido, está impedido da plena realização de ser humano e, complementa: “a situação em que vivem os pobres deve ser critério para medir a justiça”; enquanto se perpetua a pobreza, é sinal de que não vigora a justiça. Esta deficiência social é explícita nos acontecimentos catastróficos decorrentes das chuvas, não só no Rio de Janeiro, os quais revelam que o mais prejudicado é sempre o pobre.
OREMOS: Concedei-nos, Senhor nosso Deus, adorar-vos de todos o coração e amar todas as pessoas com verdadeira caridade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém!
Fraternal abraço a todos e a todas.
BIBLIOGRAFIA
[1] GORRINGE, Timothy J. O Capital e o Reino: ética teológica e ordem econômica. São Paulo: Paulus, 1997, Pgs. 174-191.
[2] BÍBLIA DO PEREGRINO. Edição brasileira. 2ª. Ed. São Paulo: Paulus, 2002.
[3] JORGE, J. A. Dicionário Informativo Bíblico, Teológico e Litúrgico: com aplicações práticas. Campinas: Ed. Átomo, 1999, p. 422.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

23/01/2011 – 3º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A (III Semana do Saltério)




DEUS NOS CHAMA À CONVERSÃO!


1ª Leitura: Isaías 8,23-9,3
Leitura do livro do profeta Isaías23bNo tempo passado o Senhor humilhou a terra de Zabulon e a terra de Neftali; mas recentemente cobriu de glória o caminho do mar, do além-Jordão e da Galileia das nações. 9,1O povo que andava na escuridão viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu. 2Fizeste crescer a alegria, e aumentaste a felicidade; todos se regozijam em tua presença como alegres ceifeiros na colheita, ou como exaltados guerreiros ao dividirem os despojos. 3Pois o jugo que oprimia o povo – a carga sobre os ombros, o orgulho dos fiscais –, tu os abateste como na jornada de Madiã. – Palavra do Senhor.
Salmo Responsorial: 26(27)
O Senhor é minha luz e salvação./ O Senhor é a proteção da minha vida.
1.O Senhor é minha luz e salvação;/ de quem eu terei medo?/ O Senhor é a proteção da minha vida;/ perante quem eu tremerei?
2.Ao Senhor eu peço apenas uma coisa,/ e é só isto que eu desejo:/ habitar no santuário do Senhor/ por toda a minha vida;/ saborear a suavidade do Senhor/ e contemplá-lo no seu templo.
3.Sei que a bondade do Senhor hei de ver/ na terra dos viventes./ Espera no Senhor e tem coragem,/ espera no Senhor!
2ª Leitura: 1Cor 1,10-13.17
Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios10Irmãos, eu vos exorto, pelo nome do Senhor nosso, Jesus Cristo, a que sejais todos concordes uns com os outros e não admitais divisões entre vós. Pelo contrário, sede bem unidos e concordes no pensar e no falar. 11Com efeito, pessoas da família de Cloé informaram-me a vosso respeito, meus irmãos, que está havendo contendas entre vós. 12Digo isto, porque cada um de vós afirma: “Eu sou de Paulo”; ou: “Eu sou de Apolo”; ou: “Eu sou de Cefas”; ou: “Eu sou de Cristo”! 13Será que Cristo está dividido? Acaso Paulo é que foi crucificado por amor de vós? Ou é no nome de Paulo que fostes batizados? 17De fato, Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar a boa nova da salvação, sem me valer dos recursos da oratória, para não privar a cruz de Cristo da sua força própria. – Palavra do Senhor.
Evangelho: Mateus 4,12-23
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus12Ao saber que João tinha sido preso, Jesus voltou para a Galileia. 13Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que fica às margens do mar da Galileia, 14no território de Zabulon e Neftali, para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías: 15“Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, região do outro lado do rio Jordão, Galileia dos pagãos! 13O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz, e para os que viviam na região escura da morte brilhou uma luz”. 17Daí em diante Jesus começou a pregar dizendo: “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo”. 18Quando Jesus andava à beira do mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam lançando a rede ao mar, pois eram pescadores. 19Jesus disse a eles: “Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens”. 20Eles imediatamente deixaram as redes e o seguiram. 21Caminhando um pouco mais, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João. Estavam na barca com seu pai Zebedeu consertando as redes. Jesus os chamou. 22Eles imediatamente deixaram a barca e o pai, e o seguiram. 23Jesus andava por toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando todo tipo de doença e enfermidade do povo. – Palavra da Salvação.

REFLEXÃO DA PALAVRA: A CONVERSÃO É UM FOCO DE LUZ QUE CARECE SER ALIMENTADO DIARIAMENTE.
A prisão de João Batista marca o fim da manifestação de Deus através da atividade profética, e inicia uma nova e definitiva fase desta mesma manifestação, que culminará numa compreensão acerca da conversão que vai além da simples remissão dos pecados; entende-se aqui que a conversão é, pois, uma exigência para que se edifique o Reino de Deus inaugurado na encarnação do Cristo, divino Verbo. Conversão torna-se então, objeto de escolha, de possibilidade; não mais um preceito, como condição única para se livrar da ira de Deus, conforme pregava os profetas, dado a ênfase do discurso de João Batista; porém, não deixa de ter como princípio a “metanóia”, ou seja, a transformação radical do pensar e do agir, em especial dos que foram batizados, nos quais, com a proposta de Jesus, tal conversão, torna-se um processo de contínua evolução, que perpassará por toda a vida, iniciada a partir da imediata aceitação do chamado que Jesus faz, a exemplo do que acontecera aos apóstolos: “imediatamente deixaram as redes e o seguiram [...] imediatamente deixaram a barca e o pai, e o seguiram” (Mt 4,20.22). Por isso, com o Cristo, o objeto de salvação, não é mais aquele que se considera desde já, um convertido, mas aquele que inicia uma caminhada de conversão. A própria comunidade de Mateus irá testemunhar adiante, nas palavras de Jesus, a quem se reservará a salvação: “Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mt, 9,13). Relembrando pois, a reflexão do último dia 09 de janeiro, ao celebrarmos o Batismo do Senhor, quando definimos que justo é quem se dispõe a “livremente ajustar-se à vontade de Deus”, podemos compreender por que se faz referência, tanto na primeira leitura quando no Evangelho, às regiões de Zabulon e Neftali, às margens do mar da Galiléia, donde Jesus, precisamente na cidade de Cafarnaum, inicia sua pregação; esta era uma região tenebrosa para os judeus da diáspora, era o caminho pelo qual os impérios dominantes retiravam a elite do povo, na condição de escravos, ou seja, os que pensavam e os que produziam, enquanto que os demais: mulheres, crianças, doentes e idosos, uma vez considerados improdutivos, permaneciam abandonados no país, todo destruído pela invasão. È natural que na concepção profética, a salvação se iniciaria por esta região, com a manifestação do Messias; é isto que o Evangelista nos quer transmitir com a frase: “Para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías” (Mt 4,14), profecia proclamada, portanto, há aproximadamente 700 anos antes do nascimento de Jesus. Onde se via somente trevas e tristeza, Jesus torna-se a manifestação da luz e por isso, da felicidade plena (cf. Is 9,2), esta nova condição é motivada, sobretudo, pela esperança renovada na conquista da liberdade, esperança que por si só, propicia a restauração da dignidade de ser humano, não mais da condição degradante de escravos, outrora, entregues a morte e ao sofrimento.
Mar da Galiléia
Luz e trevas correspondem então, a um antagonismo fundamental; quando surge a luz, as trevas se dissipam e é quando são reveladas as nossas misérias; de fato, a ação do pecado está encerrada na escuridão; se bem que, atualmente temos visto tantos pecados sendo realizados à luz do dia mesmo, dado o estágio de banalização da ética e do crescente desrespeito para com o semelhante… Ainda assim, este é o terreno propício para que a ação salvadora do Senhor se realize, ou seja, este nosso mundo todo destruído pelo pecado, ainda é nossa tenda, lugar onde todos os seres humanos co-habitam, convivem, e deveriam fazê-lo de forma harmoniosa, no respeito mútuo e na colaboração, tendo como fundamento e padrão mesmo, o Reino anunciado por Jesus, do qual infelizmente, vivemos um paradoxo, e não raramente, também nas nossas comunidades de fé. Ante este problema, Paulo nos exorta à unidade “no pensar e no falar”; este é o autêntico testemunho do Reino, enquanto a divisão, pelo contrário, é contra-testemunho que afinal, atrapalha a obra redentora de Deus para com toda a humanidade.

Por outro lado, unidade não é o mesmo que unicidade; enquanto o primeiro se baseia no princípio da inclusão, da acolhida, o segundo quer impor uma uniformidade de pensamento a qual não aceita e por isso mesmo quer eliminar o diferente… Nossas comunidades, pastorais e movimentos, têm de refutar a unicidade para que não se tornem células de ditadura, formadas, sobretudo, por pensamentos unívocos, absolutos; por ser luz na sociedade, a exemplo do Mestre, deve denunciar toda ação que escraviza, anunciando ao mesmo tempo a liberdade a qual Cristo mesmo deu a sua própria vida. Do contrário, a história não nega; toda sociedade dividida é fragilizada e muito provavelmente tornar-se-á escravizada por um império mais poderoso.

Por fim, conforme nos quer transmitir o salmista, esperar no Senhor com coragem, é uma exortação e um convite a agirmos com audácia profética, realizando em primeiro plano, a vontade de Deus, e não a nossa, neste mundo de tantas lutas, de onde mesmo, na sua realidade, todo batizado é chamado a transformá-lo com amor, testemunho e perseverança, no Reino anunciado pelo próprio Cristo, promessa divina para toda a humanidade.

Um fraternal abraço.

sábado, 15 de janeiro de 2011

16/01/2011 – 2º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A


LITURGIA DA PALAVRA (II semana do Saltério)
1ª Leitura: Isaías 49,3.5-6
Leitura do livro do profeta Isaías – 3O Senhor me disse: “Tu és o meu Servo, Israel, em quem serei glorificado”. 5E agora diz-me o Senhor — ele que me preparou desde o nascimento para ser seu Servo — que eu recupere Jacó para ele e faça Israel unir-se a ele; aos olhos do Senhor esta é a minha glória.6Disse ele: “Não basta seres meu Servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os remanescentes de Israel: eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até aos confins da terra”. – Palavra do Senhor.
Salmo Responsorial: 39(40)
Eu disse: “Eis que venho, Senhor”,/ com prazer faço a vossa vontade!
1. Esperando, esperei no Senhor,/ e, inclinando-se, ouviu meu clamor./ Canto novo ele pôs em meus lábios,/ um poema em louvor ao Senhor.
2. Sacrifício e oblação não quisestes,/ mas abristes, Senhor, meus ouvidos;/ não pedistes ofertas nem vítimas,/ holocaustos por nossos pecados.
3. E então eu vos disse: “Eis que venho!”/ Sobre mim está escrito no livro:/ “Com prazer faço a vossa vontade,/ guardo em meu coração vossa lei!”
4. Boas novas de vossa justiça/ anunciei numa grande assembléia;/ vós sabeis: não fechei os meus lábios!
2ª Leitura: 1Cor 1,1-3
Início da primeira carta de São Paulo aos Coríntios1Paulo, chamado a ser apóstolo de Jesus Cristo, por vontade de Deus, e o irmão Sóstenes, 2à Igreja de Deus que está em Corinto: aos que foram santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos junto com todos os que, em qualquer lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso. 3Para vós, graça e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. – Palavra do Senhor.
Evangelho: João 1,29-34
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João – Naquele tempo, 29João viu Jesus aproximar-se dele e disse: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. 30Dele é que eu disse: Depois de mim vem um homem que passou à minha frente, porque existia antes de mim. 31Também eu não o conhecia, mas se eu vim batizar com água, foi para que ele fosse manifestado a Israel”. 32E João deu testemunho, dizendo: “Eu vi o Espírito descer, como uma pomba do céu, e permanecer sobre ele. 33Também eu não o conhecia, mas aquele que me enviou a batizar com água me disse: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer, este é quem batiza com o Espírito Santo’. 34Eu vi e dou testemunho: Este é o Filho de Deus!” – Palavra da salvação.

REFLEXÃO: “SENHOR, DAÍ AO NOSSO TEMPO A VOSSA PAZ!”

O batismo de conversão, dado por João Batista, prefiguração do batismo sacramental, prepara terreno para a manifestação, a epifania, de Deus, tanto no Cristo, quanto no cristão neófito, aquele que tão logo é batizado. Na pessoa, esta manifestação, deve culminar no testemunho do seguimento radical do pensar e do agir de Jesus; o pensar e o agir do cristão deve estar coerentemente em sintonia com o pensar e agir do Cristo. “Prostrar-se por terra” (cf. Sl 94,6) nada mais é do que aceitar a vontade de Deus, mais é também, concretizá-la, materializá-la, na nossa história, antes que um ato de submissão, se prostrar pode ser um ato de amor e de entrega confiante; prostrando-se diante do Senhor o salmista responde na Liturgia de hoje: “Com prazer faço a vossa vontade” (Sl 39, 9); esta frase se faz plena na missão do Cristo, que se revela, nos sinais que ele começa a realizar logo após seu batismo. A levar esta missão ao extremo, não como sacrifício penoso, mas com prazer de servir ao Pai, motivado, sobretudo pelo amor, Jesus torna-se o “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29) ao mesmo tempo em que glorifica a Deus. Fato é que, Deus não tem braços e pernas próprias, pois Deus é espírito, é amor; Papa Bento XVI dirá na primeira encíclica de seu pontificado: “Deus Caritas est”; Deus é pleno amor, assim, é através de nossos braços e pernas, colocados à disposição de Sua vontade, que se realizará sua grande obra de libertação, destinada a toda a criação, a construção de seu Reino. Esta obra não está acabada; isso irá depender do tamanho da nossa fé e da força de nossa entrega. 
Todavia, Deus não é uma abstração, tal como quer sustentar a ciência humana. Sua realidade existencial é atestada por meio do testemunho daqueles que verdadeiramente o ama e segue; amor e seguimento na relação com Deus são termos intrínsecos, que estão em total comunhão, assim como se expressa o termo “oração”: oratória e ação; tanto um quanto o outro, se realizados separadamente, torna sem efeito para Deus: “Não basta seres meu servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os remanescentes de Israel: Eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até os confins da terra” (Is 49,6)... É pela vontade de Deus que Paulo se torna apóstolo, ou seja, um pregador do Evangelho, e muda sua história, não mais de serviço ao Império ou qualquer outra autoridade humana; doravante serve apenas a Jesus Cristo, seu único Senhor, a quem outrora perseguia a fio de espada (cf. 1 Cor, 1,1).
No geral, grande deficiência do homem moderno é sua falta de fidelidade e inclinação à apostasia, torna tudo descartável, não só idéias e princípios, mas o que é pior, também as relações inclusive familiares e religiosas mudam com muita facilidade por conta de uma cultura imediatista, fundada, sobretudo, na racionalidade “empírica”, a qual tende aceitar como verdade, somente aquilo que se comprova por meio dos sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato), ou então, por meio de experimentos científicos que atestam a natureza de determinado fenômeno; não se cheira um átomo, também não se consegue vê-lo a olho nu, ou tocá-lo, por conta de seu tamanho microscópico, tampouco se ouve ou sente seu gosto, mas a ciência comprova por meio de procedimentos de laboratório, que o átomo existe, e assim  é aceito por todos. Deus neste sentido seria uma abstração e adorá-lo então seria um desvio racional do ser humano. Esta sutil idéia difundida na sociedade moderna tem afastado o homem de Deus e de seus semelhantes, tornamo-nos, indivíduos insensíveis à graça de Deus, ou seja, ingratos, e extremamente vulneráveis à idolatria, ou seja, ao ato de glorificar, cultuar, divinizar algo ou alguém que de fato não é Deus, o que é um perigo inclusive para a nossa sobrevivência mesmo; banalizamos as pessoas e o meio ambiente em que vivemos, porque não mais conhecemos a Deus, não o contemplamos... porque não o vemos, e conhecer a Deus é fundamental para fazer a Sua vontade: levar a salvação até os confins da terra. Quer ter paz e felicidade? Faça a vontade de Deus.
Oremos – Deus eterno e todo-poderoso, que governais o céu e aterra, escutai com bondade as preces do vosso povo e daí ao nosso tempo a vossa paz. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém!
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
BENTO XVI, Pp. Deus Caritas Est. Carta Encíclica aos bispos, presbíteros, diáconos, às pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos sobre o amor cristão. 6ª ed. São Paulo: Paulinas, 2006.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O CUIDADO ÉTICO COM OS MAIS FRAGILIZADOS NA SOCIEDADE

A Lei complementar nº. 32 de 23 de dezembro de 2010, sancionada pelo Prefeito de Campinas (SP), Dr. Hélio de Oliveira Santos, instiga ao debate sobre a situação específica de abandono a qual os idosos estão sujeitos, vale ressaltar que, a sociedade que não valoriza seus idosos é uma sociedade sem história e sem identidade, e por isso mesmo, de futuro incerto.
Não é de hoje, temos testemunhado a degradação da dignidade, não só do idoso, mas de todo o gênero humano, em particular, daqueles em situação de maior fragilidade; diariamente, as páginas deste jornal mesmo, nos relatam casos de desrespeito e violência, que nos mantém indignados, e ao mesmo tempo, nos faz sentir impotentes na busca de soluções de nossos problemas.
A sociedade contemporânea, fundada no individualismo e na competição, muito bem expressada nos diversos “realities” que a televisão nos tem apresentado, inclusive com expressiva audiência, tem caminhado sutilmente para a banalização das relações interpessoais, do cuidado com o outro, da alteridade; percebe-se muito claramente que o outro, com sua vida, seus problemas e dificuldades, não tem mais importância, pelo contrário, este pode se tornar para mim um estorvo, algo que atrapalha a minha vida e meus planos; eliminá-lo tornar-se ia então a saída; infelizmente este é o pensamento que gradativamente vem tomando corpo na sociedade, a qual, não poucas vezes se orgulha em declarar-se laica, ou seja, divorciada de Deus. Daí é que surge o grande índice de exclusão social que temos nas mais variadas formas: pessoas morando nas calçadas; crescimento alarmante do número de abortos e abandono de crianças e idosos.
Evidentemente que, para reverter este triste quadro social, haveria de se mudar a consciência ética de toda a sociedade, reaprender a viver comunitariamente, conscientizando-se de que a vida depende da relação fraterna entre as pessoas, redescobrindo, primeiramente, o valor de si mesmo; conhecendo e amando a si, poder-se-á amar e valorizar o outro; fazemos parte de uma rede de relação vital da qual, ao mesmo tempo, dependemos do outro enquanto este também depende de mim. Esperar que a transformação da dura realidade por meio de decreto ou lei, é no mínimo, acomodar-se e, exaurir-se de cidadania... O que muda nossa realidade não é a lei, é a consciência das pessoas que se desenvolve a partir de experiências adquiridas inclusive, no relacionamento com o outro.
Cuidar dignamente do idoso, do nascituro, da criança, do adolescente, do doente, do pobre..., é favorecer o desenvolvimento da vida, fortalecendo-a... Certamente, isto terá consequência positiva não só na pessoa, mas numa sociedade-nação mais justa, fraterna e soberana, desde que não seja por imposição de lei antes que pela manifestação pura do amor.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
ZOBOLI, Elma. Cuidado: no encontro interpessoal, o cultivo da vida. Revista Vida Pastoral, São Paulo: Paulus, jan/fev 2011, ano 52, nº 276, pgs. 6-12.

sábado, 8 de janeiro de 2011

A DEGRADAÇÃO DO AMBIENTE ESTÁ NA PRIMAZIA DO LUCRO SOBRE A VIDA.

 
Motta, R. A degradação do ambiente está no ar. Jornal Correio Popular, Campinas(SP), p. A3, 6 jan. 2011.


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

09/01/2011 - BATISMO DO SENHOR - ANO A





REFLETINDO A PALAVRA

  • 1ª Leitura: Isaías 42,1-4.6-7
  • Salmo Responsorial: 28(29)
  • 2ª Leitura: Atos dos Apóstolos 10,34-38
  • Evangelho: ateus 3,13-17
BATISMO DE JESUS: SOLIDARIEDADE COM A HUMANIDADE PECADORA.

Ao livremente se apresentar para o batismo no rio Jordão, Jesus provoca de imediato a incompreensão de João Batista; faltava-lhe a condição básica para que recebesse o batismo de conversão: o pecado, condição comum naqueles que frequentemente eram batizados e que, praticamente os obrigavam a recebê-lo como meio para conquistar uma suposta salvação dos pecados cometidos; todos queriam ser batizados para fugir da “cólera vindoura” (Mt 3,7), ou seja, da justiça que Deus eminentemente realizaria num breve período. Este conceito pré-messiânico do batismo, fundado na conversão, não estava totalmente errado, de fato, na história da humanidade, e em seu próprio significado, batismo refere-se a um ritual de iniciação, muito comum nas sociedades primitivas. Ainda hoje, sociedades indígenas realizam rituais de iniciação aos jovens que, atingindo uma idade considerada madura, iniciam sua vida adulta, assumindo responsabilidades que até então não lhes eram cobradas. Na sociedade dita civilizada, na qual vivemos, há alguns acontecimentos na vida que também se referem aos rituais de iniciação: formatura, alistamento militar, puberdade, acontecimentos que marcam o início de uma nova fase da vida de determinada pessoa.
Dado em Jesus não haver a limitação do pecado que fundamentasse o início de uma conversão, o sentido do batismo assume um caráter de profunda sacralidade. Ao mesmo tempo em que se torna uma epifania – tal como vimos na Sagrada Liturgia do último domingo –, ou seja, a auto-manifestação da natureza divina do Cristo, por meio de sinais que, sacramentam sua divindade sem descaracterizar sua natureza humana, como o Espírito de Deus que, em forma de pomba, lhe pousa sobre a cabeça, e a Palavra do Pai a Ele dirigida: “Este é meu Filho amado, no qual eu pus o meu agrado” (Mt 3,17), revela também, a extensão de sua missão divina, indicada inclusive pelo próprio nome: Cristo, que significa, “Aquele que ungiu, Aquele que foi ungido e a própria Unção com que ele foi ungido [...] Aquele que ungiu é o Pai, Aquele que foi ungido é o Filho, e o foi no Espírito, que é a Unção” (Catecismo da Igreja Católica-438).
No batismo, pois, Jesus é apresentado como o próprio Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, e inicia-se doravante, não uma vida de conversão, mais sim, uma vida pública, de autêntica opção pelos pobres e pecadores, solidarizando-se completamente com o destino deles; cumprindo assim toda a justiça (cf. Mt 3,15), Jesus se ajusta e submete à vontade do Pai – por que justiça nada mais é do que livremente ajustar-se à vontade de Deus (cf. Catecismo da Igreja Católica-536) –; no batismo Jesus aceita a sua condição de servo sofredor, sabendo que sua missão se cumprirá na consumação de sua própria vida como oferta de sacrifício, afim de redimir do pecado, toda a humanidade; um alto preço para se resgatar a dignidade humana até então maculada pelo pecado original.


Para nós, cristãos, uma vez “sacramentalmente assimilados a Jesus” (Catecismo da Igreja Católica-537), ou seja, configurados a Cristo, este mistério torna-se bastante comprometedor; segui-lo exige que “cada batizado solidariza-se com a vida de Jesus e deve seguir o mesmo caminho de entrega total por amor [...] reflexo da entrega do Pai à humanidade para salvá-la do pecado, do egoísmo e do desamor” (Andrade, A.L.P. Roteiros Homiléticos. Revista Vida Pastoral, ano 52, nº 276, São Paulo: Paulus, jan-fev/2011, p. 48).
O batizado tem, pois, como missão irrecusável, a defesa da vida em qualquer condição e fase em que ela ocorra, ainda que lhe custe algum prejuízo; estar batizado requer então, a livre aceitação da vontade de Deus e a prática constante da missão que o Espírito concede para que se cumpra toda a justiça; em suma, é o que quer nos ensinar a Liturgia do Batismo do Senhor, celebração que marca, ao mesmo tempo, o encerramento do Tempo do Natal e início do Tempo Comum, um tempo de caminhada.

Vale resgatar o pensamento de São Gregório Nazianzeno (329-389): “Sepultemo-nos com Cristo pelo Batismo, para ressuscitar com Ele; desçamos com Ele, para ser elevados com Ele; subamos novamente com Ele, para ser glorificados nele” (Orações 40,9 – trecho citado no Catecismo da Igreja Católica-537).