sexta-feira, 7 de agosto de 2015

A FILOSOFIA NA SALA DE AULA COMO FORMAÇÃO HUMANA

A FILOSOFIA NA SALA DE AULA COMO FORMAÇÃO HUMANA
Jesuel Arruda – UFSCAR (arruda.jesuel@gmail.com)


          Temos testemunhado, por intermédio da mídia, sobretudo no Oriente Médio, o desenvolvimento do que poderíamos denominar de atrocidades contra a humanidade, em decorrência de guerras que refletem o ápice de um processo de desumanização e se revela violento e devastador. Embora, este processo de desumanização, desde sempre se faz presente na história da humanidade, pensava-se que o desenvolvimento científico/tecnológico tornasse o ser humano mais humano, o que de fato não ocorreu. O que não justifica um pensamento niilista de que a humanidade está perdida, tampouco a atitude de supervalorizar os seres não humanos em detrimento do humano; um fenômeno que comumente temos observado na sociedade contemporânea: a tentativa de humanizar o não humano a partir da justificativa de que o não humano não é capaz de promover o mal. O ser humano se distingue dos demais seres, porque pensa, critica e age, e por isso, é o único ser na face da terra que pode transformar o próprio pensamento e consequentemente a vida. Transformar a vida é a grande finalidade da filosofia, e não só da filosofia mais de todo o conjuntos dos saberes compilados pela humanidade, e não só para o Ensino Médio, mas para todo o desenvolvimento humano da pessoa. No microcosmo da educação no Ensino Médio, que é a nossa preocupação, esta prerrogativa da filosofia está contemplada no Inciso III do Art. 35 da LDB 9394/96: "o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico". Infelizmente este aprimoramento, esta humanização do educando, a meu ver, é colocada em segundo plano, uma vez que o sistema educacional dá ênfase, na prática, ao Inciso II ou parte dele: "a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores". Entende-se que capacitar o educando a se adaptar com flexibilidade às condições da ocupação é torná-lo resiliente às condições de exploração que se dão no mundo do trabalho, indo contra a proposta de que a educação existe para libertar o ser humano.

Palavras-chave: Educação. Humanização. Cidadania. Relações sociais.

            O sistema de educação instituído corrobora para um processo de desumanização da pessoa. E embora, a finalidade da filosofia, inicialmente pensada pelos professores que tanto lutaram para que hoje ela estivesse inserida na grade curricular da educação, tal como esta colocada pelo sistema de ensino, em que se oferece, paradoxalmente, ao cidadão um ensino de baixa qualidade, de modo arquitetado pelo poder público a serviço da ideologia dominante; a filosofia pouco tem contribuído para "fazer do homem um ser independente, isto é, dotado de vontade livre" (PLEINES, 2010, p. 49). Em sua Propedêutica Filosófica (p.280), Friedrich Hegel defende esta função, não só da filosofia, mas de toda educação, conforme cita por Pleines (ibid.).
            E só por esta deficiência na sua condição de ser independente por sua vontade livre ceifada, é que o ser humano já deixa de ser humano plenamente, ou seja, acaba por se des-humanuzar, no curso de sua formação.
         Ora, por humanização entende-se o ato ou efeito de humanizar-se, segundo o bom e velho Dicionário Aurélio. Humanizar, por sua vez, é tornar humano; dar condição humana a algo ou alguém; civilizar. Por outro lado, o prefixo "des-", remete à separação; transformação; ação contrária; negação, privação, destarte, por desumano conclui daquele que não é humano, mas, ferino, bestial, desnaturado; que denota desumanidade; que é bárbaro, cruel, daquele, portanto que pendeu sua condição humana; daquele que não aprendeu a valorizar e a colocar em prática sua humanidade e a respeitar a humanidade do outro, daquele que perdeu a alteridade, que banaliza a própria vida e a vida do outro. Quando o aluno não respeita o professor, ou vice-versa; quando entre os alunos ou mesmo entre professores não há respeito mútuo, está em desenvolvimento um processo de desumanização no ambiente escolar; e não raramente, a escola reproduz o que já vem acontecendo fora dos limites de seus muros, mas também pode inferir culturas na sociedade, num movimento de ida e volta, o que é mais preocupante ainda.
            Quando se evidencia uma educação não no sentido da promoção humana, mas no sentido da promoção científica, se é neste caminho que nós educadores estamos conduzindo os educandos, quando consentimos com uma educação fundada numa formulação científico-materialista, estamos educando pessoas desumanas. Preocupa quando se observa o quadro de horário das escolas e se conta quantas aulas de matérias das áreas de conhecimento da Matemática, das Ciências da Natureza e da Linguagem, Códigos e suas Tecnologias para cada aula das Humanidades. Também, ao analisarmos criticamente os conteúdos que transmitimos, ou seja, se o que ensinamos de filosofia na sala de aula, de fato contrapõe a ideologia do capital ou se colabora para o seu desenvolvimento, ou ainda, ao indagarmos quantos de nossos alunos, projetam para si a profissão de professor, ou filósofo, ou sociólogo que seja.
            Huxley em sua obra Admirável Mundo Novo assevera que:
“Um estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que o executivo todo-poderoso de chefes políticos e seu exército de administradores controlassem uma população de escravos que não tivessem de ser coagidos porque amariam sua servidão (...) Fazer com que eles a amem é a tarefa confiada, nos estados totalitários de hoje, aos ministérios de propaganda, diretores de jornais e professores” (Prefácio da obra).

            Tal discurso nos faz refletir nossa posição de educadores, se estamos educando nossos jovens para serem plenamente humanos na totalidade de suas relações sociais, autônomos e conscientes das condições de vida que irão enfrentar na sociedade, como enfrentar seus problemas, pensar soluções e inferir mudanças, seja no âmbito pessoal, seja em conjunto com seus semelhantes, ou se formamos indivíduos voltados para si e preocupados em atender suas necessidades imediatas a qualquer custo.
            As transformações sociais tão necessárias ao pleno desenvolvimento humano e social dependem não de filósofos e cientistas frios e distantes da realidade, mas de pessoas humanas que assumam um protagonismo atuante e proponham mudanças práticas nas relações sociais, na cultura e na vida. Pessoas simples, no meio do povo, no mundo do trabalho, da política, nos movimentos sociais, mas pessoas que tenham a competência e habilidade de olhar um problema social, ou seja, problematizar a vida e propor mudanças, ainda que estas possam abalar as estruturas sociais instituídas.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96. Brasília: 1996. Disponível em < www.planalto.gov.br >. Acesso em 25 Jun 2014.
HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. 5ª ed. Porto Alegre (RS): Editora Globo, 1979.
"Mito de Prometeu e o despertar da humanidade". Palestra ministrada pelo prof. Luis Carlos Marques, disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=9C15lX9rTwg>. Acesso em 05 out 2014.
PLEINES, Jürger-Eckardt. Friedrich Hegel. Trad. Silvio Rosa Filho (Org.). Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010 (Coleção Educadores).
ROBALLO, Davi. A desumanização do homem. Artigo de opinião publicado em <http://www.progresso.com.br/opiniao/a-desumanizacao-do-homem>. Acesso em 05 out 2014.

sábado, 10 de janeiro de 2015

JE ne SUIS pas CHARLIE: Eu não sou Charlie


EU NÃO SOU CHARLIE

Me perdoem os que entraram na onda Global de defender o Jornal Francês Charlie Hebdo diante da reação violenta que ocorreu no dia de ontem em Paris, o berço da liberdade pós-moderna de nosso tempo.
Primeiramente quero expressar que sou plenamente contrário a qualquer reação violenta contra o outro, ainda mais quando a vida está em jogo. Não se macula a vida e isso é um princípio.
Por outro lado, não tem sentido confundir liberdade de expressão com o que o referido jornal francês fazia, ou tem feito, em nome desta mesma liberdade, isto é, de satirizar com suas charges, não somente os políticos, o que seria aí muito legítimo, cumprir uma função crítica diante da política social, muitas vezes injusta.
Todavia, não é no campo político que o referido jornal tem centrado suas forças, mas sim no campo religioso, sempre disparando contra aquilo que a maioria da sociedade francesa mais teme, felizmente nem todos, ou seja, a presença da religião e a difusão de ideais religiosos, numa sociedade que consideram neo-moderna e desenvolvida, e qualquer que seja tal manifestação: Católica, Protestante, Ortodoxa, muçulmana, Indu, etc.
Para os que defendem os ideias de liberdade democrática fundados no ideal francês, toda manifestação religiosa atrapalha a liberdade e o desenvolvimento humano, pois o ser humano ficaria preso à religião e à doutrina e não a seus próprios anseios. Tal postura humanista já é uma radicalidade, uma vez que o ser humano não se encerra em si mesmo, mas traz em sua essência a razão e a fé, a matéria e o sagrado. Tentar neutralizar o sagrado, uma parte da essência humana, nas pessoas, por meio de sátiras e charges que buscam ridicularizar a fé, é ao mesmo tempo, aprisioná-lo em si mesmo e uma tentativa de matá-lo em seu desenvolvimento, e matar com a caneta que tem o poder de expressar um pensamento capaz de excluir pessoas; também se mata ideologicamente, sem derramamento de sangue.
É triste constatar que existe uma intolerância que caminha em mão dupla, visível nas charges do referido jornal, que desfere veneno a toda manifestação religiosa, o que só isso, já é um sinal de intolerância, que poderia ser muito bem pensada anteriormente à reação que se deu e da forma que se deu. Causa e consequência / ação e reação; talvez seja este um movimento natural, o qual devemos considerar quando se busca manifestar pensamentos.
Segundo Boff (2015) um pouco de censura no que se expressa não é algo ruim, desde que se procure preservar a liberdade do outro; Diz ele:
 
"Quando se diz que determinados discursos fomentam o ódio e por isso devem ser evitados, como o racismo ou a homofobia, isso é censura (...) quando dizem que você não pode usar determinado personagem porque ele é propriedade de outra pessoa, isso também é censura (...) Excessos devem ser punidos. Não é 'não fale'. É 'Fale, mas aguente as consequências'. E é melhor que as consequências venham na forma de processos judiciais do que de balas de fuzis ou bombas".

Evidentemente Boff se refere aos inúmeros processos judiciais movidos contra o jornal Charlie Hebdo, dos quais foi inocentado pela justiça francesa, de tendência hegemônica e humanista. Para ele, se tivesse o jornal sido condenado oportunamente por esta justiça, ou mesmo pela maioria da sociedade francesa, não teria acontecido o que aconteceu, e nisso eu concordo com o colega.

Eis aqui algumas das charges que o jornal Charlie Hebdo publicou sobre a fé cristã disponíveis no site de buscas Google:

 

Referência

BOFF, Leonardo. Eu não sou Charlie, Je ne suis pas Charlie. Artigo publicado em 10/01/2015, disponível em: https://leonardoboff.wordpress.com/2015/01/10/eu-nao-sou-charlie-je-ne-suis-pas-charlie/. Acesso 10 jan 2015 às 10h40min.