A
FILOSOFIA NA SALA DE AULA COMO FORMAÇÃO HUMANA
Jesuel Arruda – UFSCAR
(arruda.jesuel@gmail.com)
Temos testemunhado, por intermédio da
mídia, sobretudo no Oriente Médio, o desenvolvimento do que poderíamos
denominar de atrocidades contra a humanidade, em decorrência de guerras que refletem
o ápice de um processo de desumanização e se revela violento e devastador.
Embora, este processo de desumanização, desde sempre se faz presente na história
da humanidade, pensava-se que o desenvolvimento científico/tecnológico tornasse
o ser humano mais humano, o que de fato não ocorreu. O que não justifica um
pensamento niilista de que a humanidade está perdida, tampouco a atitude de
supervalorizar os seres não humanos em detrimento do humano; um fenômeno que
comumente temos observado na sociedade contemporânea: a tentativa de humanizar
o não humano a partir da justificativa de que o não humano não é capaz de
promover o mal. O ser humano se distingue dos demais seres, porque pensa,
critica e age, e por isso, é o único ser na face da terra que pode transformar
o próprio pensamento e consequentemente a vida. Transformar a vida é a grande
finalidade da filosofia, e não só da filosofia mais de todo o conjuntos dos
saberes compilados pela humanidade, e não só para o Ensino Médio, mas para todo
o desenvolvimento humano da pessoa. No microcosmo da educação no Ensino Médio,
que é a nossa preocupação, esta prerrogativa da filosofia está contemplada no
Inciso III do Art. 35 da LDB 9394/96: "o aprimoramento do educando como
pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico". Infelizmente este aprimoramento,
esta humanização do educando, a meu ver, é colocada em segundo plano, uma vez que
o sistema educacional dá ênfase, na prática, ao Inciso II ou parte dele:
"a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a
novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores". Entende-se que
capacitar o educando a se adaptar com flexibilidade às condições da ocupação é
torná-lo resiliente às condições de exploração que se dão no mundo do trabalho,
indo contra a proposta de que a educação existe para libertar o ser humano.
Palavras-chave:
Educação.
Humanização. Cidadania. Relações sociais.
O
sistema de educação instituído corrobora para um processo de desumanização da
pessoa. E embora, a finalidade da filosofia, inicialmente pensada pelos
professores que tanto lutaram para que hoje ela estivesse inserida na grade
curricular da educação, tal como esta colocada pelo sistema de ensino, em que
se oferece, paradoxalmente, ao cidadão um ensino de baixa qualidade, de modo
arquitetado pelo poder público a serviço da ideologia dominante; a filosofia pouco
tem contribuído para "fazer do homem um ser independente, isto é, dotado
de vontade livre" (PLEINES, 2010, p. 49). Em sua Propedêutica Filosófica
(p.280), Friedrich Hegel defende esta função, não só da filosofia, mas de toda
educação, conforme cita por Pleines (ibid.).
E
só por esta deficiência na sua condição de ser independente por sua vontade
livre ceifada, é que o ser humano já deixa de ser humano plenamente, ou seja,
acaba por se des-humanuzar, no curso de sua formação.
Ora,
por humanização entende-se o ato ou efeito de humanizar-se, segundo o bom e
velho Dicionário Aurélio. Humanizar, por sua vez, é tornar humano; dar condição
humana a algo ou alguém; civilizar. Por outro lado, o prefixo "des-",
remete à separação; transformação; ação contrária; negação, privação, destarte,
por desumano conclui daquele que não é humano, mas, ferino, bestial,
desnaturado; que denota desumanidade; que é bárbaro, cruel, daquele, portanto
que pendeu sua condição humana; daquele que não aprendeu a valorizar e a colocar
em prática sua humanidade e a respeitar a humanidade do outro, daquele que
perdeu a alteridade, que banaliza a própria vida e a vida do outro. Quando o
aluno não respeita o professor, ou vice-versa; quando entre os alunos ou mesmo
entre professores não há respeito mútuo, está em desenvolvimento um processo de
desumanização no ambiente escolar; e não raramente, a escola reproduz o que já
vem acontecendo fora dos limites de seus muros, mas também pode inferir
culturas na sociedade, num movimento de ida e volta, o que é mais preocupante
ainda.
Quando
se evidencia uma educação não no sentido da promoção humana, mas no sentido da
promoção científica, se é neste caminho que nós educadores estamos conduzindo
os educandos, quando consentimos com uma educação fundada numa formulação
científico-materialista, estamos educando pessoas desumanas. Preocupa quando se
observa o quadro de horário das escolas e se conta quantas aulas de matérias
das áreas de conhecimento da Matemática, das Ciências da Natureza e da Linguagem,
Códigos e suas Tecnologias para cada aula das Humanidades. Também, ao
analisarmos criticamente os conteúdos que transmitimos, ou seja, se o que
ensinamos de filosofia na sala de aula, de fato contrapõe a ideologia do
capital ou se colabora para o seu desenvolvimento, ou ainda, ao indagarmos quantos
de nossos alunos, projetam para si a profissão de professor, ou filósofo, ou
sociólogo que seja.
Huxley
em sua obra Admirável Mundo Novo assevera que:
“Um estado
totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que o executivo
todo-poderoso de chefes políticos e seu exército de administradores
controlassem uma população de escravos que não tivessem de ser coagidos porque
amariam sua servidão (...) Fazer com que eles a amem é a tarefa confiada, nos
estados totalitários de hoje, aos ministérios de propaganda, diretores de
jornais e professores” (Prefácio da obra).
Tal
discurso nos faz refletir nossa posição de educadores, se estamos educando
nossos jovens para serem plenamente humanos na totalidade de suas relações
sociais, autônomos e conscientes das condições de vida que irão enfrentar na
sociedade, como enfrentar seus problemas, pensar soluções e inferir mudanças,
seja no âmbito pessoal, seja em conjunto com seus semelhantes, ou se formamos
indivíduos voltados para si e preocupados em atender suas necessidades
imediatas a qualquer custo.
As
transformações sociais tão necessárias ao pleno desenvolvimento humano e social
dependem não de filósofos e cientistas frios e distantes da realidade, mas de
pessoas humanas que assumam um protagonismo atuante e proponham mudanças
práticas nas relações sociais, na cultura e na vida. Pessoas simples, no meio
do povo, no mundo do trabalho, da política, nos movimentos sociais, mas pessoas
que tenham a competência e habilidade de olhar um problema social, ou seja,
problematizar a vida e propor mudanças, ainda que estas possam abalar as
estruturas sociais instituídas.
Referências
Bibliográficas
BRASIL. Senado Federal. Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96. Brasília: 1996. Disponível
em < www.planalto.gov.br >. Acesso em 25 Jun 2014.
HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. 5ª
ed. Porto Alegre (RS): Editora Globo, 1979.
"Mito de Prometeu e o despertar da
humanidade". Palestra ministrada pelo prof. Luis Carlos Marques,
disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=9C15lX9rTwg>. Acesso em 05
out 2014.
PLEINES, Jürger-Eckardt. Friedrich
Hegel. Trad. Silvio Rosa Filho (Org.). Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora
Massangana, 2010 (Coleção Educadores).
ROBALLO, Davi. A desumanização do homem. Artigo
de opinião publicado em
<http://www.progresso.com.br/opiniao/a-desumanizacao-do-homem>. Acesso em
05 out 2014.